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PLURAL: os textos de Marcio Felipe Medeiros e Rogério Koff

Fascismo enquanto conceito
Marcio Felipe Medeiros
Sociólogo e professor universitário

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Fascismo é um conceito que, na conjuntura atual, está bastante banalizado. É comum ver grupos utilizando o conceito para atacar adversários políticos, sem o devido cuidado com o termo. Mas, como funciona o fascismo? A resposta para esta pergunta está no livro de mesmo nome, de autoria de Jason Stanley. O autor busca pensar o fascismo do passado e do presente, articulando a política da segunda guerra e a do século 21. Para deixarmos uma definição simples aqui, podemos definir fascismo como uma doutrina essencialmente preconceituosa, profundamente nacionalista que credita à uma raça ou a um determinado grupo social a superioridade sobre outros grupos.

COMO SE FORMA O PENSAMENTO FASCISTA

Esta é, sem sombra de dúvidas, a questão crucial para a compreensão do fascismo. Temos pouca clareza sobre este ponto, pois tanto a formação do pensamento quanto a adesão social do mesmo são bastante obscuras ainda. Existem, sem dúvidas, inúmeras hipóteses, mas pouca certeza sobre este ponto. Na busca por trazer uma explicação, podemos recorrer à literatura, que em sua liberdade artística, consegue trazer nuances humanas importantes para a reflexão.

Uma obra bastante profunda que trata sobre o tema é "O Relatório de Brodeck" de Philippe Claudel, a qual apresenta uma versão em quadrinho de Manu Larcenet. Esta obra mostra como a violência construída em uma sociedade, evocando o valor da superioridade racial (por exemplo), é instrumentalizada e potencializada por pessoas comuns, fazendo pessoas pacatas cometerem atrocidades. Em um contexto de profunda brutalidade, qualquer figura minimamente "diferente" rapidamente pode se tornar alvo de linchamento coletivo.

O QUE DEVE NOS PREOCUPAR

Tanto a obra de Stanley quanto a de Claudel, nos alertam para a sombra do pensamento autoritário que ronda a sociedade. O motor desta sombra é o medo e a violência, que vão se tornando cada vez mais banais conforme a população é exposta. Infelizmente, vivemos em um contexto de profunda apatia perante a tragédia anunciada que vivemos. Mortes se tornam números, estatísticas frias, sem subjetivação alguma. Quando um pai ou mãe falece, pouco se pensa sobre sua importância e os efeitos daquela morte para os que ficam. Vira apenas um número estampado em uma estatística, essa, completamente sem faces ou histórias de vida. O medo gerado pelo contexto em que vivemos, tem levado pessoas a roubarem vacinas, e até cilindros de oxigênio, como na Índia em que a pandemia tem se agravado. A reflexão que precisamos fazer no momento é: não estamos caminhando para um perigoso cenário de desumanização e correndo o risco de repetir o passado trágico que a humanidade já viveu em épocas sombrias?

Sobre as certezas
Rogério Koff
Professor universitário

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Experiências recentes me levaram ao interesse pelo estudo da neurociência. Fiquei curioso em saber como nossa mente funciona e quanto de nossos pensamentos e ações podem ser considerados de fato "racionais". No passado, já havia lido um bocado sobre psicologia evolucionista e inteligência artificial, mas na semana passada acabei o livro do neurologista Robert A. Burton intitulado "Sobre ter certeza: como a neurociência explica a convicção".

A premissa fundamental pode ser resumida assim: "Apesar de como sentimos a certeza, ela não é nem uma escolha consciente, nem mesmo um processo de pensamento. A certeza e os estados similares de 'saber o que sabemos' nascem de mecanismos cerebrais involuntários que, como amor ou raiva, funcionam independentemente da razão".

SENSAÇÕES DE SABER

Peço ao leitor que reflita: você realmente acredita que "sensações de saber", correção e convicção, seja no campo da religião, da política ou da medicina, são plenamente deliberadas e conscientes? Ou não passam de "sensações mentais" que acontecem conosco? Como podemos ter certeza de que nossas convicções, que amparam e conferem sentido às nossas vidas, são de fato verdadeiras? Burton mostra que, quando estamos diante da formulação de pensamentos ou da tomada de decisões, nossas redes de neurônios são reunidas dentro de nosso cérebro, em uma espécie de "comitê", onde cada membro possui direito a um voto. Após a contagem final, uma decisão final é tomada e resulta em um pensamento ou uma ação. O autor mostra que grande parte destas decisões dos "comitês de redes neurais" não são exatamente racionais. Elas apenas nos parecem certas e conferem "sensações de saber". Sem estas, nossas vidas pareceriam vazias e sem sentido; o que não quer dizer que as sensações de saber correspondam necessariamente à verdade ou a fatos objetivos. Elas sustentam grande parte de nossas convicções.

Mas Burton evita o relativismo, ou a comparação entre ciência e qualquer outro tipo de fé. Afirma que substituir a palavra "saber" por "acreditar" não nega o conhecimento científico. Apenas transforma o saber da ciência em algo bem mais provável do que virgens esperando por terroristas suicidas no mundo do além. Além disso, há verdades científicas incontestáveis.

"Sensações de saber" invadem a mente de jornalistas que negam que o Brasil é o quinto país do mundo que mais vacinou contra a pandemia. Muitos não conseguem relacionar o fato de que cidades que aplicaram lockdown apresentam índices maiores de contaminação do que outras que não aderiram a esta política. São divulgados percentuais de eficácia de vacinas sem que estas tenham comprovação evidente. Percebam o que ocorre quando determinada autoridade afirma que uma vacina tem 88% de eficácia. Quais testes empíricos suportam essa aparente "verdade"? Ou seriam "sensações de saber" que substituem a pesquisa e a experiência? Médicos também divergem sobre tratamentos preventivos. Mas todos aparentam ter certeza do que afirmam. Não seria apenas uma "crença" gerada dentro de suas mentes, eleita pelos "comitês" de neurônios? Leiam o livro de Burton.

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